sexta-feira, 3 de abril de 2009

CARTA DE DRUMMOND A UM GRANJENSE



.....Rio de Janeiro, 25 de agosto 1974.

.....Prezado Lívio Xavier,.
.....
Seu livro de recriação do tempo e do ambiente da sua infância teve em mim um leitor interessado e encantado. Por sermos da mesma geração, o que se passou no Ceará do começo do século toca bastante minha memória sensitiva. Fui desde menino um leitor esfomeado de jornais, e acompanhei, com a ignorância dos meus 10-11 anos, a queda dos Acciolys e o governo fugaz de Franco Rabelo, de que a “Gazeta de Minas” dava notícias sob grandes títulos na 1ª página. De resto, um pouco de estilo de viver era comum a todo o País, e os costumes familiares do seu Estado não diferiam muito dos da minha terra. Finalmente, fui, como você e Berenice (amiga a quem muito quero) titular da “Economizadora Paulista”, e acabei liquidando os meus “coupons” que, dada a inflação, perderam o valor... Mas, independente de tudo isso, “Infância na Granja” me agradou pelo que vale como reconstituição do meio social, com isenção e senso de humor.
.....Grato pela oferta do volume, abraça-o cordialmente, com admiração, o

.....

      Esta carta foi enviada pelo magistral poeta Carlos Drummond de Andrade ao granjense Lívio Barreto Xavier, depois que este se fixara em São Paulo e se tornara um jornalista e crítico literário respeitado, a ponto de ser chamado de mestre pelos colegas de trabalho. Lívio publicou alguns livros. É sobre um deles (Infância na Granja) que o poeta mineiro fala.
.....Que maravilha ler Drummond, principalmente quando se refere a um conterrâneo! Afinal, não é qualquer brasileiro que tem em seus alfarrábios uma carta recebida do famoso itabirano.

UM POEMA DE ANTÔNIO EVARISTO*


QUEM SOU EU?

Eu não sou o que vês constantemente
Nesta rotina de mediocridade.
Eu sou outro, bem sei, sou diferente,
Ninguém jamais me viu a identidade.

Porque não sou um só. Sou vários eus:
O que sonha, o que ri , o que blasfema...
Eu sou aquele que não crê em Deus
E o outro que O exalta num poema.

Sou bruto qual o homem das cavernas
E terno e meigo como um passarinho.
Creio que as coisas todas são eternas...
Depois, em nada creio. Sou mesquinho.

Quem sou eu, afinal? Qual o meu nome?
Nem eu nem tu jamais responderemos.
Esta pergunta enorme nos consome...
Eu sou milhões de EUS... não morreremos.


*Este belo poema é de Antônio Evaristo da Paz Sá, granjense,
residente no Rio de Janeiro.

A pintura acima é "Operários" - Tarsila do Amaral