domingo, 8 de março de 2009

POEMAS DE LÍVIO BARRETO


POBRE!

Diz essa gente que te vê curvada
Continuamente, ó meiga criatura,
Para o cesto da alvíssima costura,
Que és pobre, e que por isso és desprezada.

Por isso mesmo eu vejo-te acanhada
Entre as outras buscando a mais escura
Penumbra, inútil para tanta alvura,
E pra tanta beleza ignorada.

Ignorada, sim, minha açucena;
Ignorância que me causa pena
E me faz rir ao mesmo tempo, louca!

Pois eu bem sei o quanto és rica, eu sei-o:
Se tens só duas pérolas no seio,
Tens um milhão de pérolas na boca!

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MAGOADA

Corpo de anjo, coração de hiena!
.........................PAULA NEI

Vais desdenhosa e pálida passando
No vitorioso azul da adolescência,
Como uma flor ao sol se estiolando,
Perdendo as cores e perdendo a essência.

Freme teu riso arregaçando a rosa
Do lábio ungido de ironia e dor!
E és sempre a mesma, cândida orgulhosa,
Olhar de hiena, coração de flor!

E hás de viver assim eternamente
Altiva e fria, irônica, impassível,
Alma d'anjo mimosa e recendente
Cedo crestada ao sopro do impossível!

Subiste ao céu no teu amor primeiro
D'onde caíste inopinadamente!
E viste frio, ó coração ardente!
Morrer teu sonho branco e feiticeiro!

Tem o triste gemer das casuarinas
O teu sereno olhar, deusa sombria –,
E a luz crepuscular da nostalgia,
E a majestade de um palácio em ruínas!


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NO CAMPO

I
.....Cai o vento da tarde.
Folhas secas no espaço remoinhando
Lembram bandos de pombas levantando
.....O vôo, de assustadas...

Passam rindo e cantando
Comboieiros além pelas estradas.

.....Na calma do sol poente
Vem sobre os campos uma paz austera.
.....Balam saudosamente
Os rebanhos que descem dos oiteiros;
Correm, saltando, os trêfegos cordeiros
Ao curral que os espera.

.....Dois pombos num telhado,
Alvinhos como a pluma de algodão,
.....Num idílio sagrado
Noivam sob as cortinas da amplidão.

.....É quase noite. O poente
Inda apresenta um luzimento de oiro...
.....Urra furiosamente
No fim da várzea um corpulento toiro,
Moitas torcendo e levantando poeira...

.....No alpendre onde me acho
Passa um morcego e agita, voando baixo,
As duas asas moles como cera...

II

Doiram-se ao longe os cimos dos oiteiros
Aos moribundos raios do sol-poente;
Recolhe o gado ao canto dos vaqueiros,
E os bezerrinhos berram longamente.

A noite desce religiosamente,
Recebem-na as boninas nos canteiros.
E as corujas nas cercas, nos aceiros,
Soltam seus pios, lúgubres, plangentes.

Nos brejos, nos açudes, nas vazantes
Cantam sapos; e, trêmulos, errantes,
Os pirilampos surgem nas encostas...

E entre listrões de púrpura, vermelhos,
A serra é como um homem de joelhos
Tendo um globo de fogo – a luz, às costas
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O SONO DO CORAÇÃO

Silêncio na rua. Que longa tristeza
.....Paira no ar frio e pesado:
Oh, lua de junho, que incutes tristeza
.....Como um castelo abandonado;
.....Como a visão de um mau passado,
.....Como uma vela ao dia acesa!

Nas telhas das casas distantes, cintilas
.....Pólen de prata do infinito!
Oh, lua de junho, das tuas pupilas,
.....Silenciosa, sem um grito
.....Deixas rolar o pranto aflito
.....Em ondas claras e tranqüilas.

O vento tardio da noite murmura
.....No campanário abandonado.
Oh, lua de junho, tão triste, tão pura
.....No teu roupão aurilavrado,
.....És como um cravo desbrochado
.....No azul monótono da altura.

As aves noturnas, piando, na Igreja
.....Roçam co’as asas nos altares.
Oh, lua de junho, no alto sobeja
.....A luz que deixas, pelos ares,
.....Em flocos, ir cair nos mares
.....Onde as espumas têm inveja.

Naquela janela sonhando ao relento
.....Deixei ficar meu coração,
Oh, lua de junho, zombando do vento
.....Cantando a mística canção
.....Do seu amor, cheia de unção
.....E de pesar, como um lamento!

De tarde, que ainda não era o sol posto,
.....O fui deixar nessa janela;
Oh, lua de junho, vieste, e no posto
.....Como uma boa sentinela
.....Achaste-o ainda, que hora aquela!
.....Inda a velar ao frio exposto.

Faz frio. Que importa que gele a neblina
.....Quando se dorme e sonha e esquece?
Oh, lua de junho, se a morte fulmina,
.....O sono as dores adormece!
.....Oh, coração, dorme...
............................................. Parece
.....Que uma mulher o afaga e nina!

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